Eu nunca havia conhecido pessoalmente nenhum turista estrangeiro que visitou o leste da Sérvia, apesar de ser uma região amplamente divulgada nos centros de informações turísticas. No fim de semana passado, fui para lá pela primeira vez com a Serbia4Youth e digo para vocês uma coisa: esses turistas estão perdendo! Lá, descobri construções medievais belíssimas, sítios arqueológicos de valor imensurável e belezas naturais incríveis, do tipo que surpreende até aqueles que não se surpreendem facilmente. Então, faça as malas e venha comigo em mais uma viagem aqui no Bem-vindo à Sérvia!
O encontro do grupo foi no sábado às 8h da manhã no centro de Belgrado, de onde o ônibus partiria. Um fato inédito já podia ser visto logo de cara: pela primeira vez, a Serbia4Youth levou em uma viagem um grupo com mais estrangeiros do que sérvios. Nós tínhamos um brasileiro (além de mim), um mexicano, um costarriquenho, um inglês, um alemão, dois irlandeses, um libanês e uma americana - todos eles, exceto o costarriquenho, fazendo intercâmbio na Sérvia pela IAESTE. Todos estavam muito animados por estarem prestes a conhecer lugares que, provavelmente, nenhum intercambista antes deles conheceu!
SMEDEREVO
A primeira parada foi a fortaleza de Smederevo, localizada a apenas 45 km a sudeste de Belgrado e de facílimo acesso para quem quer chegar lá sozinho, uma vez que ela fica bem em frente à estação de trem de Smederevo.
Seus imponentes muros e 25 torres super bem conservadas impressionam desde antes de entrarmos! Construída entre 1427 e 1430, por ordem do déspota Đurađ Branković, quando os húngaros dominaram Belgrado, a cidade fortificada de Smederevo se tornou a nova capital da Sérvia e, localizada na confluência dos rios Danúbio e Jezava, é a maior fortaleza medieval em terras baixas de toda a Europa! A força de seus muros foi colocada à prova em três batalhas entre sérvios e turcos em 1439, 1453 e 1456, até que, em 1459, os turcos conseguiram dominá-lа, marcando o fim formal do despotismo na Sérvia. Depois disso, a cidade foi fortificada ainda mais.
O governo sérvio declarou a fortaleza de Smederevo um Monumento Cultural de Excepcional Importância e a mesma só não entrou ainda na lista de proteção da UNESCO pelo fato de terem construído diversas fábricas a menos de 200 metros de um dos seus lados. Dá pra imaginar por que alguém construiria fábricas logo ali?
VIMINACIUM
Saindo de lá, continuamos viagem no tempo até Viminacium, um campo militar construído no século I que acabou se tornando uma das cidades mais importantes do império romano. Situada a 12 km da atual cidade de Kostolac, Viminacium era a base de 6.000 soldados romanos e uma das maiores cidades da época, que chegou a ter 40.000 habitantes, tornando-se um importante centro comercial. A cidade, que já era capital provincial da Mésia Superior, em seu auge (século III) chegou a receber o status de colônia romana (superior ao status de cidade) e passou a ter o direito de fábricar sua própria moeda. Lá, no ano 193, Septímio Severo foi proclamado imperador. Uma curiosidade: dentre outras coisas, durante as escavações, foi encontrado lá o esqueleto de um mamute que viveu há 5 milhões de anos atrás!
O sítio arqueológico tem, hoje, 450 hectares onde estão dispostas ruínas da antiga capital romana. A visita turística é muito interessante, principalmente porque a maioria das pessoas não tem ideia de que existe algo assim na Sérvia! A visita fica ainda mais emocionante quando a guia nos leva na parte subterrânea de Viminacium onde se pode ver algumas pinturas originais nas paredes. A iluminação é escassa e os corredores apertadíssimo - você se sente o próprio Indiana Jones! Além da parte central da cidade, o visitante pode ver a área das termas romanas, com 5 piscinas onde os nobres passavam a maior parte do seu tempo livre. A área é bem grande e tão bem conservada que dá pra ver até o sistema de aquecimento das piscinas!
Em Viminacium, gravei uma entrevista com Fernando Pikler, brasileiro da cidade de Maringá (PR) que estava com a gente nessa viagem. Assista: https://www.facebook.com/video/embed?video_id=10200683203858291
LEPENSKI VIR
Quando nós achávamos que tínhamos visto tudo o que tinha de mais antigo para se ver, veio a Sérvia e - PÃ! - nos surpreendeu de novo! Viajando mais ao leste, por uma estrada lindíssima que vai seguindo o fluxo do Danúbio, bem na fronteira com a Romênia, chegamos a mais um sítio arqueológico. Só que, dessa vez, trata-se de um assentamento pré-histórico, onde viveu uma das mais antigas civilizações da Europa há mais de 8.000 anos atrás! Mas isso é na Sérvia mesmo? Sim, estou falando de Lepenski Vir.
Escavações feitas na bacia do Danúbio, próximo aos Portões de Ferro, entre 1965 e 1971 por uma equipe da Universidade de Belgrado encontraram diversas ferramentas, objetos religiosos, estruturas habitacionais e esculturas únicas feitas de pedra. Estudos confirmaram que aquele povo era semi-nômade e viveu a transição entre o período Mesolítico e o Neolítico, desenvolvendo as mais modernas formas organizadas de vida social, econômica e religiosa para a época. Pode-se dizer que Lepenski Vir é o berço da arte na Europa, pois lá surgiram as primeiras esculturas, em um formato típico que parece um peixe. No local foram encontradas, ao todo, restos de 136 residências e edifícios sacrais datados do período entre 6500 e 5500 a.C. - o que comprova que esta era uma população numerosa. Uma curiosidade: com uma média de altura de quase 1,70 m, eles também eram mais altos do que outros povos, que mediam cerca 1,50 m. Foi até encontrado por lá um esqueleto que media 2,03 m - imagina só!
Por mais que seja um lugar super antigo, Lepenski Vir é um exemplo de modernidade. O sítio arqueológico em si é enorme e é coberto por uma estrutura de aço imensa que já chama a atenção. No início da visita, o guia dá uma breve explicação sobre a importância do lugar e, então, coloca um filme com legendas em inglês sobre as escavações dos anos 60. Em seguida, vamos até um dos computadores disponíveis por lá e temos a oportunidade de explorar o povoamento original de Lepenski Vir virtualmente. Como num videogame de primeira pessoa, você controla os movimentos do personagem, podendo andar pelo local, entrar nas casas, ver as esculturas e tudo o mais - achei isso incrível! E, para termos uma noção ainda maior da realidade, do lado de fora do prédio principal, eles construíram uma réplica da casa padrão, em formato de triângulo equilátero, onde residiam os habitantes do antigo povoado. É uma visita que, certamente, vale a pena!
E tem mais... Lá, você tem a oportunidade de curtir uma pljeskavica com Zaječarsko pivo (cerveja local) e uma paisagem de tirar o fôlego! Acho que a foto abaixo já diz tudo.
DONJI MILANOVAC
Na viagem até o local onde passaríamos a noite, o sol estava se pondo e não pudemos deixar de fazer uma parada na pequena praia de Donji Milanovac para assistirmos com calma a esse espetáculo da natureza. Mais uma vez, uma imagem vale mais que mil palavras. Curtam só o visual:
Teve uma galera (inclusive eu) que ainda se animou de dar um mergulho nessa praia. Uma delícia!
KLADOVO
Quando o sol se pôs atrás das montanhas romenas do outro lado do rio e após nos reabastecermos de água para aguentar o calor, fomos nos acomodar no chamado Youth Camp Karataš, que, apesar do nome, não é um acampamento, mas uma espécie de dormitório estudantil. A sensação de estar no meio do nada foi muito apreciada por todos queriam descansar de Belgrado (cidade grande).
Porém, antes de dormir, tínhamos mais uma missão: ver qual era a boa do sábado à noite em Kladovo! Fomos de Kombi até o centro da cidade, que fica há 7 quilômetros do nosso dormitório, compramos uma cerveja e sentamos na beira do Danúbio para trocarmos uma ideia e decidirmos aonde ir. Tínhamos três opções: um clube com uma banda de rock tocando ao vivo, uma kafana grande e chique sem música e uma kafana mais simples com música tradicional ao vivo. O que você acha que escolhemos? A última opção, é claro! O pessoal começou tímido, mas então a orquestra veio tocar na nossa mesa e não demorou muito até que todos começassem a cantar e dançar abraçados um ao outro - inclusive os gringos! A noite terminou com uma grande roda de kolo em que todos participaram e alguns até aprenderam a dançar bem. Só não conseguiram entender de jeito nenhum a letra das músicas!
Na manhã seguinte, após poucas horas de sono e um café da manhã mixuruca (só pão com patê e ovo cozido), fomos constatar que o leste da Sérvia não vive só do passado... Você sabia que a fica na Sérvia a 6ª maior usina hidrelétrica do mundo? Quer dizer, metade dela... Em 1964, a hidrelétrica Đerdap I (ou Portões de Ferro I) começou a ser construída no rio Danúbio em uma parceria entre o governo da Iugoslávia e o da Romênia. Quando ficou pronta, em 1972, ela era, de fato, a maior usina hidrelétrica do mundo. Foi bem inusitado ter a oportunidade de entrar nela, ver de perto como funciona e visitar até mesmo a sala de controle! A guia só ficou um pouco acuada quando soube que dois brasileiros estavam presentes, porque ela sabe que, atualmente, a maior hidrelétrica do mundo é a nossa Itaipu, no Paraná. Mas, curtimos muito de qualquer jeito!
Antes de sair de vez de Kladovo, não podíamos deixar de nos refrescar na praia da cidade - uma ótima oportunidade de nadar no Danúbio mais uma vez! A gente estava animado até para nadar até a Romênia, mas faltou tempo e motivação para a galera... Nas areias sérvias, as mulheres de Kladovo estavam dando um show de beleza!
VRATNJANSKE KAPIJE
Nesse dia nós estávamos dispostos a desvendar mistérios da natureza da Sérvia e para isso fomos até o vilarejo de Vratna (a 30 km da cidade de Negotin), onde se localiza um mosteiro do século XIV que leva o mesmo nome. Só que dessa vez, a Sérvia nem esperou a gente chegar para nos surpreender... No meio do caminho, nos deparamos com um grande número de veados, que aparecem correndo em liberdade no vídeo abaixo, como se estivéssemos num safári! Olhe que fantástico! (Desculpe pelo sérvio)
O mosteiro de Vratna em si não é nada de especial, exceto pela sua localização - um lugar lindo! Contudo, para vermos a verdadeira beleza, precisamos subir uma trilha pela mata até chegarmos nos chamados Vratnjanske Kapije ou Portões de Vratna. Assim são chamados os três arcos naturais de pedra que foram formados pela ação do rio que passa sob eles durante milhares e milhares de anos. O monumento natural é tão bonito que parecer ter saído de um conto de fadas... É uma verdadeira maravilha da natureza na Sérvia! Deu vontade de ficar lá mais tempo... Um ótimo lugar para fazer um piquenique, um churrasco ou simplesmente uma boa caminhada na natureza. Não deixe de passar por lá em sua viagem pelo leste da Sérvia!
RAJAČKE PIMNICE
Até agora eu não sei ao certo se a viagem que fizemos até a nossa última parada demorou porque o lugar era realmente longe ou porque a estrada estava tão cheia de buracos que simplesmente não dava para dirigir nem um pouco rápido... Mas uma coisa eu sei: valeu muito a pena ir até a Rajačke Pimnice!
Depois de uma viagem relativamente longa, a chegada no vilarejo Rajac foi interessante... Viam-se casinhas muito simples na beira da estrada, plantações e grupos de pessoas humildes conversando e olhando com estranheza para o micro-ônibus cheio de turistas, como se fosse uma nave espacial. No topo do morro, se localiza um famoso complexo vinícola do século XIX que se manteve inalterado com o passar do tempo - é um lugar 100% autêntico! A produção de vinhos na região vem desde a época do império romano, mas ganhou força na Idade Média. Os produtores de vinho locais dizem que o vinho de lá não deixa as pessoas bêbadas, mas sim as ajuda a pensar melhor, falar melhor e cantar melhor!
Ao chegarmos, logo entramos em uma casa bem simples, com tudo de madeira, e nos deparamos com a mesa do almoço já pronta com tudo de melhor que você possa imaginar da comida tradicional sérvia. Comemos pogača, queijos, presuntos, carnes, sarma, čvarci, paprika, feijão, cogumelos e uma coisa que foi inédita até para os sérvios que estavam conosco: belmuž - um queijo muito jovem misturado com milho, que é uma delícia! Tudo isso com direito a rakija e muito vinho doméstico! E, claro, todos já estariam satisfeitos só com a primeira porção do que foi servido... Só que, se fosse assim, não estaríamos na Sérvia. Como bons sérvios, os anfitriões serviam mais e mais comida e sempre repunham o vinho quando a garrafa estava prestes a ficar vazia! Posso dizer com certeza que foi um dos melhores almoços da minha vida! E um detalhe: pagamos 800 dinares (20 reais) para comermos e bebermos o quanto quiséssemos da melhor comida caseira que se possa imaginar! SENSACIONAL!
Posso afirmar com convicção que essa foi uma viagem inesquecível e uma das melhores que fiz na vida! Como posso dizer? Em um fim de semana visitei a maior fortaleza medieval em terras baixas da Europa, visitei uma capital do império romano e um sítio arqueológico onde viveu uma das civilizações mais antigas do mundo há 8.000 anos atrás... Vi o pôr-do-sol na fronteira entre a Sérvia e a Romênia, cantei músicas sérvias e dancei kolo numa kafana... Visitei a 6ª maior usina hidrelétrica do mundo, nadei no rio Danúbio, vi veados de perto correndo como num safári, visitei um lugar tão lindo que parece ter saído de um conto de fadas e comi muita comida tradicional e deliciosa com muito vinho num vilarejo do século XIX com pessoas incríveis! E você ainda não entende por que eu amo a Sérvia? Obrigado à Serbia4Youth por mais um fim de semana inesquecível!
Fique ligado! Veja o álbum com todas as fotos da viagem aqui: http://goo.gl/P33dJ
Você já viajou pelo leste da Sérvia? Deixe um comentário!
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